Abordar os desafios da produção textual num âmbito das necessárias políticas impositivas de isolamento social, em meio a demandas que não se interromperam com a quebra da nossa rotina, é certamente adentrar numa paradoxal reflexão sobre como escrever bem em tempos de incerteza.
Como administrar as novas disposições de tempo e espaço que não se fazem suficientes para uma condição ideal de escrita?
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O que a escrita representa nos dias de hoje?
Sabemos que a nova experiência de convívio restrito em sociedade, salvaguardados os escapes virtuais de interação, nos têm demonstrado que a realidade de um tempo ocioso para uma produção significativa de conteúdo não tem bastado para as pessoas. Antes clamavam por ambientes de confinamento em seu ofício, hoje precisam escrever bem e apresentar resultados.
Parte destes questionamentos são frutos de um consenso conceitual a respeito do que escrever bem representa socialmente em seus diferentes propósitos individuais e coletivos.
Servindo à informação, ao consumo de dados, ao estudo, à fruição literária ou a projetos personalizados de trabalho, a escrita consagra-se como instrumento de manipulação de códigos linguísticos que se aperfeiçoa com prática, mas também com muita inspiração. Esta última dimensão é a que parece estar comprometida nos dias atuais.
Arte do escritor
Parafraseando o pensamento poético e sempre atemporal de Fernando Pessoa, temos uma visão muito mais efêmera do que seja a arte do escritor, afastada, por vezes, de uma técnica objetiva, pragmática e prestada a fins um tanto limitantes.
O fato, todavia, é que mesmo filosoficamente não escapamos das metas utilitaristas que regem o rito civilizatório. Precisamos da escrita, da escrita que expressa nossa luta, da escrita aguerrida de sobrevivência numa eclosão de crises que nos tendem a procrastinar.
Como não a deixar esvanecer, então, de nossos dedos e mente?
Técnicas para os que desejam escrever bem
Três tem sido, assim, as aliadas técnicas e práticas, neste embate, a todo aquele que se propõe a escrever bem: busca por recursos de ampliação vocabular, criação de rotina de fichamentos produtivos e organização de sumários comentados.
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Ampliação de repertório
A ampliação de repertório linguístico é pauta de antigos debates no rol do que se concebe por uma boa produção textual. Difícil tem sido, porém, o assentimento consensual de como alcançá-la.
Longe de prescrever receituários estabilizadores em torno de como obter, fixamente, as rédeas de uma escrita sempre ampla e inovadora, o que se fomenta aqui é justamente o processo criativo do redator.
Processo que o instiga para a noção de que quando se lê, encontram-se as fontes primárias do conteúdo escrito, de alumbramento, de influência e de práticas comprometidas com a qualidade do produto a ser entregue ao seu destinatário.
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Rotina de fichamentos
Scliar-Cabral (2015) já nos alertava sobre a importância das atividades de input como recepção e consumo de informações, hoje fortemente acedidas nos hábitos conscientes de leitura.
Entretanto, para além do exercício desta tarimba metafórica, tem-se a necessidade mais urgente e imediata de consolidar esta tarefa por meio de estratégias práticas e sistemáticas, como o registro didático e compulsório de todo conteúdo, expressão ou vocábulo que lhe salte aos olhos.
Anote, registre e componha seu próprio banco de dados linguístico para consultá-lo e dele se valer a depender do campo semântico de sua atuação autoral. Esta habilidade, quando aperfeiçoada, potencializa seus escritos e escande sua comunicação para uma rede de compartilhamento de saberes.
A criação de rotina de fichamentos produtivos, por sua vez, atrela-se intrinsecamente à ferramenta anterior à medida em que, ao assumir uma postura atenta e auspiciosa, encarregamo-nos, numa atividade prazerosa de estudo, de comentar e interpretar, mesmo que informalmente, aquilo que pretendemos transmitir.
Por mais que esta possa parecer, a princípio, uma estratégia mais incipiente em termos de profissionalização da escrita, este cabedal inicial torna-se, muitas vezes, o referencial para grandes produções que se desenvolvem futuramente.
Desde modo, embora em muitas situações não se tenha a intenção de seguir metodologicamente a composição de um fichamento com sínteses neutras das principais ideias por segmento textual.
Em caso de produções mais longas, é possível contextualizar a ideia de um fichamento mais simples com pequenas e breves observações de cada componente ou tópico que seu texto pretende conter. Estabelecer essa subdivisão temática e organizada em sessões auxilia e facilita, portanto, um planejamento de escrita bem fundamentado tecnicamente.
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Criação de sumários
Finalmente, os sumários comentados, famigerados instrumentos de trabalho no ambiente acadêmico. Esses sumários são grandes propulsores de uma escrita impactante por promover a essa agenda especializada de produção uma operação lógica e intelectual. Além de democratizarem o debate das redações mais abertas: a inferência.
Conquanto se operem majoritariamente em exercícios colaborativos de escrita que contam sempre com mais de um agente, os sumários comentados podem se dar tanto pela estruturação sequencial de obras geralmente mais extensas e que demandam o cumprimento de prazos, quanto na tomada de decisões circunstanciais, especialmente em âmbito empresarial, seguindo a toada de briefings concisos, porém muito precisos. Organização, destarte, é a palavra-chave neste caso, mas uma organização motivada por nobres alcances será sempre mais significativa.