Ao adentrarmos num acalorado debate que se faz presente nos últimos anos e cujas pautas temáticas têm sido intensificadas pelas demandas sociais da contemporaneidade, há que se fazer uma diferenciação conceitual, que ainda é confundida pelo discurso do senso comum, entre o ensino remoto e a educação a distância.
Sucintamente, sem nos aprofundarmos muito nas discussões científicas da área, a educação a distância é uma modalidade de ensino que perdura nas últimas décadas em nosso meio como uma das novas realidades da sociedade informacional. Isso acontece por ela angariar, inclusive como um setor econômico majoritariamente do ensino superior brasileiro já consolidado institucionalmente, os fundamentos políticos, curriculares e legislativos específicos para a sua implementação.
Já o ensino remoto, terminologia emergente nos últimos meses, em que o modo de funcionamento social assumiu novas configurações, conjectura-se em nossas condições atuais como um arquétipo de ajustamento do ensino regular presencial interrompido pelas exigências sanitárias de isolamento.
Dadas as respectivas particularidades de cada formato de trabalho que está em voga, cabe-nos agora discorrermos a respeito de uma outra dimensão binomial da oferta dos serviços pedagógicos que se desdobra do paradigma educacional em que vivemos. Clareando-se a explanação, é factível a constatação de que nunca se fez tão presente as diferenciações comparativas entre as potencialidades e fragilidades de um estudo personalizado em casa e o tradicional processo de escolarização coletivo.
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Defesas e críticas
Dentre as atribuições oportunas a esse entrave, temos primeiramente as ressalvas críticas dos grupos sociais que defendem cada modelo. Eles se atentam, principalmente, para a visão que aponta as aulas padronizadas como um ambiente que limita o ofício professoral a uma transmissão tácita de conhecimentos e empobrece a aquisição da aprendizagem conjunta entre o corpo discente. Dessa forma, acaba desconsiderando os diferentes ritmos estudantis e dando vazão ao destaque que a personalização do ensino vem adquirindo nas escolas e também nas faculdades.
Essa nova abordagem educacional define-se, por sua vez, pelos princípios de respeito às necessidades, habilidades e interesses de cada estudante. Além disso, entende-se os avanços dos alunos nos conteúdos segundo sua própria agenda de estudos, podendo demorar-se mais nas disciplinas em que tem mais dificuldade e avançar mais rápido naquelas em que tem mais facilidade. Essa colocação não invalida, entretanto, o fato de que a educação personalizada possa ser igualmente institucionalizada como a educação em massa.
O molde de execução interposto determina, desta forma, que a customização do ensino não se enleie a uma aleatoriedade da oferta educacional. Ou seja, cada unidade escolar estabelece uma metodologia de trabalho, como a disponibilização de conteúdos por módulos ou trilhas de aprendizagem, por exemplo.
Ainda que essa autenticidade do sujeito cognoscente seja validada como um desafio ainda maior ao processo formativo, interpela-se a virtude desse método. Ele busca transformar os professores em verdadeiros orientadores do processo de aprendizagem, sanando dúvidas, respondendo a perguntas e auxiliando os estudantes à medida que eles apresentam dificuldades ou interesse por aprofundar-se em determinado tema.
Também, costuma-se trabalhar com metodologias ativas de aprendizagem, como a aprendizagem baseada em problemas ou projetos. Dessa maneira, os alunos aliam teoria e prática ao longo do curso e concluem sua formação prontos para o mercado de trabalho.
A justificativa da escolha, por seu turno, por esta tipologia de trabalho dá-se sobretudo pela flexibilidade deferida à rotina do educando na organização e exploração dos conhecimentos que lhe são ministrados consoante as suas possibilidades, impulsionando a sua motivação interior.
Desta forma, torna-se lógico afirmar que superadas as barreiras de concentração de uma experiência formativa mais individualizada, o estudante converte-se como sujeito mais autônomo na apropriação do material de análise com o qual entra em contato, desenvolvendo-se com mais segurança e tranquilidade. A qualificação para o mercado de trabalho, por mais restrita que possa parecer no contraponto dialógico da questão, invoca-se de maneira mais certeira, objetiva e direta neste cenário.
A tendência à educação sob a medida da personalização do ensino como conceito a ser adotado hodiernamente, configura-se como atendimento imediato à demanda dos talentos próprios de cada indivíduo como resposta única aos diferentes estímulos de aprendizagem. Circunstâncias limítrofes entrepõem-se, entretanto, a esse conflituoso contexto ainda desprovido de um consenso teorético.
Por outro lado, há também quem se oponha aos preceitos da educação em massa. Por concebê-la como um desdobramento dos manuais de didática advindos da Carta Magna de Comenius, que pregava a ideologia do mesmo ensino para todos e ao mesmo tempo, como se essa sistematização padronizada do ofício pedagógico fosse possível em sociedades tão desiguais e díspares como a brasileira.
Contrariando-se, assim, as recomendações de uma formação mais aproximada dos desígnios estudantis, a educação em massa configura-se sob a análise dos especialistas educacionais como um dispositivo obsoleto no mundo afeito às convenções globais da civilização moderna. Ela dá lugar, inclusive, às propriedades do ensino híbrido que mescla as vantagens das práticas educativas singulares ao ambiente coletivo dos processos de escolarização.
Alguns estudos sobre
Diante dessa possibilidade, enveredam-se ricas contribuições teóricas no campo, como a pedagoga Lilian Bacich. Ela aponta que a postura influente dos educadores está fortemente atrelada à particularização do ensino direcionado ao aluno e as suas especificidades.
Bacich chega a parafrasear aportes mais clássicos também, como Paulo Freire, para confirmar o entendimento de que o aprendizado acontece de verdade quando o aluno é levado a compreender o que ocorre ao seu redor, a fazer suas próprias conexões e a construir um conhecimento que faça sentido para a sua vida. Lilian Anna Wachowicz , autora que desponta em defesa da avaliação educacional emancipatória, corrobora a noção de que só se conquista uma aprendizagem significativa quando o estudante consegue de fato atribuir sentido ao conhecimento que ele próprio produz.
Salienta-se ainda que, o interacionismo pedagógico entre os discentes é uma vertente que não deve ser perdida nesta perspectiva, por mais paradoxal que aprioristicamente aparente ser. Uma vez que, gerando mais autonomia entre os educandos, o ato educativo pode ser considerado justamente nos ensinamentos vigotskianos que preveem uma zona de desenvolvimento proximal para que o aluno possa formar-se e produzir conhecimento relacional com o apoio de outros atores sociais. Ao mesmo tempo, o professor viabiliza diferentes mediações a partir da pluralidade de seus interlocutores.
Portanto, superar os ranços de uma escolarização tecnicista que ainda carrega os mecanismos da produção em série advindos da era da Revolução Industrial, confirma a urgente tendência em desmistificar a teoria dos aparelhos ideológicos do Estado althusserianos. Eles denunciam a reprodução social da escola como um limite à criticidade produtiva que é proposta pela educação personalizada.
Sobreleva-se desta forma, a normatividade naturalizada de estudantes que se tornam meros tarefeiros de atividades mecânicas regidas sob o rito do controle social que ainda impera na cultura escolar, como fala Foucault. Neste sentido, cabe-nos entender que o governo que se exerce sobre a infância (comparável às concepções eufemistas acerca da educabilidade que movimenta a maioria das instituições modernas) refere-se àquele que dirige a conduta dos sujeitos, empreendendo-se, inclusive, sobre o controle do corpo, delimitando aos educandos uma forma de saber e consequentemente de poder.
Todavia, trabalhar, em prol do juízo que contrarie esse aprisionamento das mentes e corpos em formação é justamente buscar pela liberdade e emancipação tão desejadas e anunciadas no início deste texto por meio de uma visão emancipatória, igualitária e democratizante de educação e ensino, além de não desconsiderar as diferenças de cada sujeito e a desigualdade em que vivemos. Trata-se, sobretudo, de um movimento de problematização de concepções e práticas educativas que há muito vêm sendo naturalizadas e negligenciadas em detrimento dos direitos sociais dos educandos.
Mas afinal, qual melhor tipo de educação?
Embora possa parecer, não buscamos aqui a politização dos debates técnicos educacionais, mas sim providenciar uma forma de olhar para sujeitos e situações comuns com um distanciamento necessário para que haja uma desnaturalização daquilo que seja tomado por verdadeiro ou falso, certo ou errado.
Em suma, para explicar como proceder ao enfrentamento deste desafio, proponho por fim que recorramos à ideia de que toda forma de suplantar as tradições socialmente instituídas deve-se à busca pela verdade, ocorrendo da mesma maneira quando se pensa em encontrar a(s) verdade(s) da formação humana. Essa só pode se constituir com a transformação do sujeito, pois só assim ele será capaz de enxergar a verdade que o leva a ter acesso ao conhecimento justo, real e autêntico.