Com a correria do dia a dia, e com as inúmeras obrigações que compõem nossa rotina, não temos nem o luxo de nos sentirmos cansados.
Sim, o luxo, pois numa sociedade guiada por discursos de produtividade e desempenho, o cansaço é motivo para sentirmos culpa, frustação e angústia. Não é mesmo? Provavelmente isso já aconteceu com você também.
Necessário então falarmos sobre a “Sociedade do Cansaço”, para entender como a individualidade nasce da nossa existência com os “Outros” e como há um controle psíquico que a sociedade provoca em nossas rotinas.
Neste artigo você vai ver
A sociedade do desempenho e suas neuropatias
A sociedade atual, marcada por uma busca de desempenho desenfreada, lida diariamente com metas, cobranças e alto desempenho, e tudo afeta nossas vidas de uma forma intensa, para além do que imaginamos.
Byung-Chul Han (2017), o filósofo sul-coreano contemporâneo, entendeu que cada época possui suas enfermidades fundamentais. E realmente vemos isso presente no dia a dia, por exemplo, quando olhamos para nossa sociedade baseada na necessidade de (alto) desempenho, percebemos como isso está corroborando para produzir indivíduos depressivos e frustrados.
Cada vez mais as doenças neuronais atingem pessoas próximas ao nosso redor e a nós mesmos. Por exemplo, a ansiedade e a depressão crescem exponencialmente, o que é comprovado por dados levantados pela ONU. Eles trazem estudos apontando que o número de pessoas com depressão aumentou 18,4% nos últimos dez anos. Boa parte dessas doenças estão circunscritas pela noção de desempenho e produtividade: leia livros, faça Yoga, trabalhe mais, esforce-se, curse várias oficinas, faça vários idiomas, produza artigos etc.
Somos bombardeados pelo sucesso do outro
Somos diariamente bombardeados por essa cobrança, mesmo que velada e marcada pelo “outro como tendo sucesso e você como tendo fracassos”. Perceba: se ficar um pouquinho nas redes sociais, principalmente aquelas que exaltam imagens, sentirá o quanto “as pessoas têm sucessos e são felizes” e sentirá uma aparente necessidade de ter os mesmo sucessos também.
Parece que precisamos apenas trabalhar “mais e melhor”, como se a receita dos sucessos estivesse nos resultados de performances profissionais, apenas.
Porém isso não tem fundamento. Se o sucesso dependesse, apenas, do trabalho árduo, não teríamos tantos profissionais de “sucesso”, mas insatisfeitos consigo mesmo. A questão é que o “sucesso” humano se pauta em diversas esferas. Não podemos tomar uma como a fórmula mágica da alegria humana.
A grande questão é que essa constante necessidade de alcançar o sucesso é tóxica e pautada por “receitas” falhas. Porque não existe receita geral. Existem formas particulares de felicidades.
Não podemos imaginar que “basta estudar muito, conseguir um bom emprego e pronto, o sucesso será alcançado”. Parco, falso e banal seria pensar assim.
Redes sociais e os sentimentos de “culpa”.
Para algumas pessoas, os aplicativos como Instagram e Facebook causam sentimentos de felicidade. Uma felicidade, que a gente começa almejar, porque ela está diariamente em nosso feed. São alegrias e sucessos dos amigos viajando, em festas, em comemorações, fazendo compras etc. Contudo não podemos nos iludir e crer que seja uma alegria completa e nata. São alegrias , maiormente, pautadas em consumo desenfreado e não gratuitos — que são inacessíveis, na maioria das vezes.
Isso é apenas uma amostra, consequente, do capital em que estamos imersos. O que se vende na sociedade do consumo, especialmente nas mídias sociais, está voltado para o ter e não para o ser. Logo, se não temos, não somos.
Uso danoso das mídias na dinâmica social
Nas mídias sociais, todos os nossos medos, angústias e tristezas devem ser esquecidos e invisibilizados, de forma que não aparentem fazer parte de quem somos, mesmo que esses sentimentos sejam responsáveis por construir a nossa identidade. Nessa lógica, podemos ver que o mundo virtual dita quem devemos ser, excluindo a todo custo quem de fato somos.
São inúmeras as consequências que o uso danoso das redes sociais e suas influências causam na dinâmica social. Para construir um panorama mais completo, assista à palestra do psiquiatra Flavio Milman Shansis. Nela, o especialista mostra como as redes sociais mudaram a forma como as pessoas interagem e se comunicam, assim como a saúde mental ficou refém da tela do celular.
O que vemos são os excessos de discursos positivos que abordam a felicidade plena e a busca pela produção e pelo consumo. Esses discursos criam a ilusória ideia de que o sucesso é alcançado apenas por meio do trabalho árduo, mas isso não se comprova na prática, como é exemplificado em um dos episódios do podcast “Boa noite, Internet”:
“Aqui (Brasil), o discurso é ‘acredite nos seus sonhos’, ‘se você construir, eles vão vir’, e todos esses positivismos em cima de um negócio que é puramente probabilístico. É óbvio que uma atividade ou outra influência, mas, na maioria das vezes, você vê empresas já estabelecidas lançando produtos e falhando.”
Como consequência, essa positividade promove o sentimento de culpa, fazendo com que o indivíduo se cobre cada vez mais. Contudo, nunca é o suficiente, e essa busca constante pelo aperfeiçoamento causa gradativamente uma sobrecarga de trabalho e um esgotamento físico e emocional.
“Viva para trabalhar”
Além da constante busca pela felicidade encontrada nas redes sociais, outros fatores colaboram para o cansaço cognitivo, como a competição desenfreada no mercado de trabalho, na tentativa, por exemplo, de ser o melhor funcionário do mês ou conquistar uma promoção, dentre outras atividades que objetivam uma melhor performance.
Assim, quando nos damos conta, o trabalho já monopolizou nosso tempo: nas madrugadas elaboramos relatórios e revisamos apresentações; nos finais de semana efetivamos inscrições em cursos para sermos colaboradores ativos e estudiosos da área.
De forma progressiva, essas ações vão sendo naturalizadas, e acabamos trabalhando para além da nossa função e das nossas demandas. Temos também a cobrança de nossas famílias e amigos que diante de tudo isso são deixados de lado. Abandonamos projetos pessoais que nos dedicamos há anos, mas que são esquecidos por causa da constante necessidade de trabalhar e produzir mais.
Sob essa perspectiva, vemos que na sociedade do cansaço o trabalho é religião, sem direito à heresia do ócio e da contemplação.
Tipo de Conteúdo
#livro Sociedade do cansaço, por Byung-Chul Han
#artigo Você S/A: depressão e neoliberalismo aos olhos de Byung-Chul Han
#academia A sociedade do desempenho e suas urgências
#conteúdovirtual Sociedade do Cansaço, com @startupdareal
#vídeo As redes sociais e a saúde mental